A confusão das moedas nas carteiras de investimento
Os investidores têm se debatido com a questão da alocação por moeda neste ano, motivados pela forte desvalorização do dólar frente à maioria das principais moedas. Embora uma oscilação brusca de câmbio seja, com razão, motivo de preocupação, pensamos que é importante que os investidores reflitam sobre algumas questões de base antes de considerar realocações na carteira para expressar visões sobre moedas específicas.
Há vários pontos a tratar. Primeiro, para que serve uma moeda? Segundo, como medir valor? Terceiro, qual é a moeda correta para usar como referência ao investir em uma carteira multimoeda? Quarto, o que a escolha da moeda implica para a alocação de ativos?
O que é dinheiro?
Dinheiro é uma medida abstrata de valor em um determinado momento. Ele não tem valor intrínseco porque os bancos centrais não prometem trocá-lo por outra coisa sob demanda. Em vez disso, prometem emitir a moeda de forma que a economia tenha baixa inflação. Em outras palavras, a moeda vem com a promessa de não perder mais de 2% de valor por ano (a meta de inflação mais comum).
Isso faz do dinheiro um meio de troca e uma unidade de conta. Ele não é adequado para medir valor ao longo do tempo. Para isso, é preciso outra coisa: a taxa de juros já descontada da inflação (a taxa “real”). Este ponto é crucial. Existe uma narrativa infeliz entre alguns estrategistas de investimento que gostam de mostrar a queda do poder de compra do dólar e de outras moedas ao longo do tempo. Considero isso, na melhor das hipóteses, involuntário e, na pior, deliberadamente enganoso. Não se pode avaliar o valor de uma moeda por um critério que ela explicitamente não foi desenhada para cumprir.
Como medir as propriedades de “reserva de valor” de uma moeda?
Para medir o valor de uma moeda no tempo, é preciso olhar para seu poder de compra após mantê-la por algum período em um ativo sem risco de crédito. Em outras palavras, é preciso observar o retorno de aplicar essa moeda em títulos públicos de curtíssimo prazo (por exemplo, letras do Tesouro de 1 mês). Nenhum investidor sério fica parado com dinheiro físico rendendo zero por longos períodos.
Então, qual moeda tem sido melhor em preservar seu valor? É fácil se deixar intrigar por movimentos bruscos do câmbio ou seduzir por tendências de longo prazo. Eu argumentaria que o valor de uma moeda deve ser comparado ao seu poder de compra doméstico. Por essa métrica, as principais moedas são notavelmente semelhantes.
Descontada a inflação, o retorno real de manter letras do Tesouro dos EUA desde meados dos anos 1970 tem sido de 0,5%. Manter títulos de muito curto prazo em francos suíços teria, de maneira notável, rendido também 0,5% em termos reais. O euro tem vida mais curta, mas olhando a média de todas as grandes moedas no mesmo período, o número também é 0,5%. Em outras palavras, as moedas principais se saíram bem: se você mantivesse sua moeda em títulos de curtíssimo prazo, ela não teria perdido valor.
Movimentos rápidos do câmbio podem ser desconcertantes. Mas investidores que olham para a alocação de ativos de longo prazo devem se confortar com o fato de que, no longo prazo, os mercados parecem tão eficientes quanto esperamos — mesmo que, no curto prazo, sejam tão ineficientes quanto tememos.
Qual é a moeda de referência correta a escolher?
Não é uma pergunta com resposta simples. Um investidor em uma economia desenvolvida deve pensar seus retornos na sua moeda local, porque seus gastos e obrigações tributárias são nessa moeda.
A questão é bem mais complicada ao pensar em investidores de mercados emergentes. Os títulos públicos de curto prazo de muitas (senão da maioria) moedas emergentes não exibiram as mesmas propriedades de preservação de valor das economias desenvolvidas. Medindo em liras turcas o retorno de manter dinheiro físico em dólares, um investidor não deveria ter muito o que comemorar com um retorno de quase 18% neste ano. Seria ainda pior se tivesse de pagar imposto de renda sobre esses 18% que, na prática, não valem nada!
A escolha da moeda de referência é, em última instância, pessoal, baseada nos passivos do investidor: gastos, impostos e quaisquer outros compromissos. Por exemplo, um investidor do Oriente Médio que passa muito tempo na Europa deve pensar em termos de dólar ou de euro? A resposta não é óbvia: a maioria das moedas do Oriente Médio acompanha o dólar. Seus compromissos em casa são “dolarizados”, mas ele também tem grandes desembolsos em euros.
O que a escolha da moeda implica para a alocação de ativos?
Como observado acima, o retorno real (ajustado pela inflação) de manter títulos de curto prazo em qualquer uma das grandes moedas tem sido aproximadamente o mesmo. Mas e quanto a outros ativos?
As taxas de câmbio são notoriamente difíceis de prever. A teoria econômica e a experiência histórica preveriam que um país que impõe tarifas veria sua moeda se apreciar, não se depreciar. Este ano ocorreu exatamente o oposto. Por quê? Porque outros fatores estavam em jogo.
Faz sentido que os investidores tenham hedge para seu risco cambial? A resposta depende do ativo em questão. Em títulos de Renda Fixa, especialmente de curto prazo, manter posições sem hedge é arriscado. Movimentos de câmbio de 5% ou mais em um ano, em qualquer direção e em qualquer moeda, são comuns. Isso é suficiente para apagar o retorno esperado da maioria dos títulos. Hedge de risco cambial em carteiras de Renda Fixa não é apenas uma opção — é uma condição necessária.
E as ações? Diferentemente dos títulos, as ações não são uma promessa de pagar um valor específico em uma determinada moeda. Elas são um direito sobre os lucros futuros das empresas. Os ganhos da maioria das grandes companhias são globais (com exceção de utilities — serviços públicos — e semelhantes). Para investidores globais, o risco cambial tem um papel surpreendentemente pequeno nos retornos reais da renda variável.
Um investidor no MSCI World Index — que reúne ações em todas as moedas das economias avançadas — teria visto retornos de 8,85% em USD e 6,73% em francos suíços desde a criação do índice, em 1987. Ajustando pela inflação, isso seria 5,9% e 5,5%, respectivamente. Se um investidor suíço tivesse feito hedge do risco cambial (porque o franco suíço tende a se apreciar), os retornos ajustados pela inflação teriam sido de 5% para o investidor em USD, contra 4,2% para o investidor suíço desde 2000 (quando foi criado o índice do MSCI com hedge). Investidores em euros com hedge teriam acabado com um modesto retorno real de 3,4%. Trata-se de um cálculo hipotético, com base em forwards de câmbio (contratos a termo de moeda) e que exclui taxas e outros custos de transação de hedging.
Nada disso é surpreendente. O franco suíço tem sido bem-sucedido porque o banco central se destacou em entregar baixa inflação. Mas baixa inflação também significa retornos nominais baixos. No longo prazo, o hedge cambial não é um custo claramente necessário para investidores em ações. Em termos de crescimento do poder de compra do investidor, a diferença de retornos entre as grandes moedas tem sido estreita.
Por que tudo isso importa?
O dinheiro é uma medida abstrata de valor em um ponto no tempo e, portanto, uma convenção contábil. Investidores de longo prazo devem focar na moeda de seus passivos e na qualidade de seus investimentos. Assim, investimentos que geram renda — ou outros com baixa expectativa de retorno — devem ser hedged. Investimentos em ações não.
Podem existir muitas outras razões para diversificar por moeda além do retorno: riscos políticos e soberanos estão entre elas. Ao tomar tais decisões, porém, os investidores fazem bem em deixar de lado expectativas de câmbio como principal motivador. As taxas de câmbio são notoriamente difíceis de prever, e o histórico de todos os modelos de projeção mais usados deixa muito a desejar.
Movimentos bruscos de câmbio podem ser uma oportunidade para que muitas instituições financeiras vendam novos produtos. Um amigo me enviou recentemente o prospecto de um ETF de ouro, gerido por um grande banco suíço, com hedge cambial para o franco suíço. Por que com hedge?, perguntei. O que a taxa de câmbio dólar/franco suíço tem a ver com o preço do ouro? “Porque a maioria das pessoas não entende como as coisas funcionam, e o banco pode cobrar taxas pelo hedge”, foi a resposta dele. Caveat emptor (que o comprador se cuide).
Termos com possível ambiguidade e tradução adotada
- store of value — reserva de valor
- reference currency — moeda de referência
- hedging / to hedge — cobertura / cobrir o risco cambial
- (currency‑) hedged — com cobertura cambial
- asset allocation — alocação de ativos
- short‑term government bills — títulos públicos de curtíssimo prazo (ex.: letras do Tesouro de 1 mês)
- default‑risk free asset — ativo sem risco de crédito
- purchasing power — poder de compra
- real return — retorno real
- exchange rate forwards — forwards de câmbio (contratos a termo de moeda)
- equities — ações (renda variável)
- fixed income — Renda Fixa
- tariffs — tarifas (de importação)
- emerging markets — mercados emergentes
- portfolio — carteira (preferência da casa)
- bonds — títulos de Renda Fixa (preferência da casa)